Apresentação
Resumo
No agradecimento pelo título de doutor honoris causa recebido da Universidade Federal do Rio de Janeiro em dezembro de 2002, Celso Furtado resumiu sua visão sobre a natureza histórica do conhecimento e o papel do economista na sociedade:
[...] No curso da história as ciências têm evoluído graças àqueles indivíduos que, em dado momento, foram capazes de pensar por conta própria e ultrapassar certos limites. Com a economia, essa ciência social que deve visar prioritariamente o bem-estar dos seres humanos, não é diferente. Ela requer dos que a elegeram imaginação e coragem para se arriscar em caminhos por vezes incertos. Para isso não basta se munir de instrumentos eficazes. Há que se atuar de forma consistente no plano político, assumir a responsabilidade de interferir no processo histórico, orientar-se por compromissos éticos.
O Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, criado em novembro de 2005, assumiu o desafio de honrar esse desassombro do intelectual cuja obra forma um dos mirantes obrigatórios à compreensão da sociedade brasileira e, sobretudo, dos obstáculos ao desenvolvimento na periferia do capitalismo.
As estruturas de poder e de produção que alimentam a lógica da dependência e da concentração da riqueza — motores do subdesenvolvimento analisados há mais de cinqüenta anos por Furtado — foram acentuadas pelas novas condições do mercado mundial. Mais que nunca, a possibilidade de compreender e atuar sobre essa matriz escapa ao âmbito exclusivo do esclarecimento e das fronteiras nacionais para encontrar seu suporte de aggiornamento na esfera de blocos regionais que devolvem densidade política ao planejamento econômico. O novo chão de soberania, porém, está longe de se constituir em alicerce pronto para a reflexão dos economistas. Dimensionar seu potencial, argüir complementaridades de futuras cadeias produtivas, bem como desenhar mecanismos monetários e financeiros que possam agregar maior autonomia à América do Sul configuram-se um desafio consentâneo à missão híbrida do economista formulada por Furtado e abraçada pelo Centro que leva o seu nome.
Para avançar nesse caminho, e ao mesmo tempo contemplar uma solicitação convergente do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva ao Centro — publicamos nesta edição a carta do presidente —, a diretoria do Centro Celso Furtado decidiu agregar intelectuais brasileiros de diferentes linhagens em torno de uma ampla pesquisa sobre a integração sul-americana.
A Comissão Coordenadora deste projeto* entende, a exemplo de Furtado, que a missão da ciência econômica aqui talvez seja mais a de produzir conhecimento e sugerir alternativas às forças sociais em jogo, do que esgotar equações à margem da história continental. Daí o duplo e inseparável propósito dessa iniciativa: de um lado, investigar gargalos e potencialidades de um sistema econômico regional; de outro, simultaneamente, criar e fortalecer laços para acumular massa crítica, intelectual e política, que amplie e aprofunde a natureza democrática das soluções reclamadas pelos desafios sul-americanos.
O projeto Integração sul-americana — cujas linhas iniciais, formuladas pelo economista Ricardo Carneiro e equipe, estão delineadas nesta edição — inclui a criação de um Conselho Político Consultivo, composto de intelectuais de toda a região. O objetivo é aproximar a inteligência desenvolvimentista sul-americana, permitindo maior interação com a realidade local, através de reuniões, debates e linhas de comunicação.
Celso Furtado nunca renunciou ao desafio de provar que suas idéias pertenciam ao mundo através da ação. Um maior diálogo entre o universo acadêmico e o calendário da UNASUL, por exemplo, filia-se a essa tradição intelectual e deve contribuir para ampliar o escopo da pesquisa, resguardando-a das polaridades empobrecedoras, sempre esquivadas pelo autor de A economia latino-americana.
Boa leitura.
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