Intérpretes do pensamento desenvolvimentista
Resumo
POR CARMEM FEIJÓ, GLAUBER CARVALHO, HILDETE PEREIRA DE MELO, ROBERTO SATURNINO BRAGA
A professora Maria da Conceição Tavares nos recebeu, em sua residência, na tarde do dia 20 de fevereiro de 2019. Como sempre, esteve inseparável de seus cigarros, que consome ininterruptamente. Foram quase três horas de entrevista, em que ela conversa com a professora Hildete Pereira de Melo; com o diretor-presidente do Centro Celso Furtado, senador Roberto Saturnino Braga; com o coordenador executivo do Centro Celso Furtado, Glauber Carvalho; e comigo.
Para mim, em particular, foi uma grande honra poder realizar esta entrevista. Conheci a professora Maria da Conceição nos meus tempos de aluna de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nos idos dos anos 1970. Maria da Conceição, ou Ceiça – como era chamada pelos colegas e alunos mais próximos –, tinha regressado do seu posto como economista na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), no Chile, e retomado a atividade de professora na UFRJ. Seu carisma e a forma brilhante como apresentava suas análises sobre a realidade brasileira e latino-americana encantavam os estudantes naqueles dias sombrios de ditadura militar. A forma contundente com que se expressava marcou várias gerações. Certamente, a minha geração teve na Conceição uma fonte de inspiração para pensar, de forma crítica, a realidade das economias em desenvolvimento. Registre-se também que foi através da Conceição que o debate em economia no Brasil se renovou, com a introdução de autores como Kalecki e Keynes nos cursos de teoria econômica da UFRJ e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Além de grande professora – objetiva, precisa e exigente –, Conceição sempre foi muito alegre. E, apesar do tom quase agressivo com que se manifestava em suas apresentações públicas, sempre foi uma pessoa generosa e atenta com o próximo. Estou convencida que a forma agressiva de se expressar deve ter sido uma estratégia de comunicação, ainda que inconsciente, para se impor num ambiente profissional dominado por homens.
Na entrevista, Maria da Conceição relembra o entusiasmo com que abraçou o Brasil, saindo de uma ditadura em Portugal que parecia não ter fim. Na era de Juscelino Kubitschek, o Brasil deveria ter mais a oferecer a uma jovem de menos de trinta anos, formada em matemática e já com interesse em economia, do que a sociedade estagnada de Portugal. No filme Livre pensar – cinebiografia de Maria da Conceição Tavares, dirigido pelo cineasta José Mariani, ela revela o que a movia naqueles tempos: o Brasil testaria a possibilidade de uma “democracia nos trópicos” dar certo.
A carreira de Conceição não ficou restrita à academia brasileira. Sua experiência internacional se inicia cedo, na prestigiada Cepal, criada em 1949, com sede em Santiago do Chile, pela mão de Raúl Prebish e Celso Furtado, os pais do pensamento estruturalista latino-americano. Naquela época, a Cepal era o grande think tank em economia da América Latina, e o talento da jovem professora foi reconhecido por Aníbal Pinto, que a levou para Santiago, em 1968. Este foi um período fértil de ideias e experiências profissionais, durante o qual Conceição pôde atuar como professora no Chile e como assessora do governo Allende. De volta ao Brasil, viveu certamente o período mais difícil dos anos de chumbo, chegando a ser presa. Mas Conceição supera o trauma e produz, em curto espaço de tempo, duas teses acadêmicas. Em 1975, defende a sua tese de livre docente na UFRJ, Acumulação de capital e industrialização no Brasil, e, em 1978, a sua tese de professora titular Ciclo e crise: o movimento recente da economia brasileira. As aposentadorias na Unicamp, em 1987, e na UFRJ, em 1990, foram sucedidas pela experiência como parlamentar, tendo sido eleita deputada federal pelo Rio de Janeiro, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), em 1994 (diplomada em 1995).
Como a vida parlamentar não a encantou, retornou à vida acadêmica e continuou a produzir livros e artigos sobre temas de economia. Mais recentemente, com quase 90 anos, se prepara para o lançamento de mais um livro, reunindo artigos seus. Assim, a incansável professora Maria da Conceição Tavares continua dando exemplo de vitalidade e determinação, a inspirar as gerações mais jovens.
Carmem Feijó
Editora
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